Liderança, violência, unificação de crimes: as estratégias das defesas nos recursos contra condenação na trama golpista
28/10/2025
(Foto: Reprodução) Bolsonaro entra com recurso no STF, diz que teve a defesa cerceada e pede absorção de dois crimes em um
Advogados do chamado "núcleo crucial" usaram argumentos que questionam papel de liderança, violência, unificação de crimes para tentar reduzir as punições aplicadas em setembro pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nos recursos contra a condenação na trama golpista.
As defesas focaram em pontos que podem diminuir o tempo de prisão e facilitar a mudança de regime, do fechado para o semiaberto e, depois, para o aberto.
👉🏽 Os advogados entregaram os embargos de declaração nesta segunda-feira (27), último dia para esse tipo de recurso.
Em setembro, a Primeira Turma do STF condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus a penas que variam de 16 a 27 anos de prisão.
Veja os principais argumentos usados pelas defesas nos embargos de declaração:
Delação de Mauro Cid
Assim como em outros momentos do processo, a delação de Mauro Cid voltou a ser tema de discussão. O tenente-coronel, que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, fechou um acordo de colaboração com a Polícia Federal em 2023.
Defesas de réus consideram que houve irregularidades na delação. Sustentam que o militar mentiu desde o começo e continuou mentindo em outros momentos da ação penal.
Advogados de Bolsonaro, por exemplo, sustentaram que "há pontos relevantes da acusação/condenação que ainda hoje baseiam-se exclusivamente no que disse o delator".
Papel de liderança de Bolsonaro
O ex-presidente recebeu a maior pena entre os condenados: 27 anos e três meses. A Procuradoria-Geral da República (PGR) e a maioria dos ministros da Primeira Turma do STF apontaram que ele liderava a organização criminosa, o que aumentou sua punição.
A defesa contestou a aplicação desse papel atribuído a ele em dois momentos distintos de cálculo da pena, o que teria ampliado indevidamente o tempo de prisão.
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Jornal Nacional/ Reprodução
Violência nas ações do golpe de Estado
Os advogados também negam que tenha havido violência nas ações do grupo que tentou romper com a democracia. A estratégia busca reduzir as penas. Isso porque a violência é essencial para enquadrar as condutas nos crimes contra a democracia.
Além disso, é um elemento que aumenta a punição por dano qualificado e organização criminosa. A PGR citou a violência na denúncia e durante o julgamento. A maioria dos ministros também mencionou esse elemento ao votar pela condenação.
Grau de colaboração para o 8 de janeiro
As defesas dizem que não há relação entre o grupo condenado e os atos de 8 de janeiro. Segundo os advogados, não há provas de que as ações do grupo tenham levado aos ataques violentos.
Representantes de Bolsonaro, por exemplo, apontaram que a condenação pelos atos de 8 de janeiro "não se sustenta". A PGR considera que os ataques de 8 de janeiro foram o “desfecho violento” da tentativa de golpe.
Por isso, os réus também foram responsabilizados pelos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. As defesas querem excluir esses dois crimes da condenação para diminuir o tempo de prisão.
Unificação dos crimes contra a democracia
A PGR afirma que os réus cometeram dois crimes distintos: golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A maioria dos ministros concordou com essa interpretação e aplicou os dois crimes separadamente, somando as penas.
As defesas retomaram o argumento de que os dois crimes contra a democracia devem ser unificados. Ou seja, que não é possível condenar, ao mesmo tempo, por golpe de Estado e por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, já que um implicaria o outro.
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Cálculo das penas
Ao condenar o grupo, a Primeira Turma somou as penas dos crimes, como sugerido pela PGR. As defesas contestam essa soma e pedem que alguns crimes sejam tratados como um só, para diminuir as punições. Também se questiona a forma de cálculo das penas.
Questões processuais
Advogados dos réus alegaram irregularidades no processo e pedem sua anulação. Entre os principais pontos questionados estão a suposta omissão do Judiciário ao não analisar pedidos de suspeição contra Moraes.
Além disso, a suposta falta de debate sobre o volume expressivo de documentos apresentados em curto prazo — prática conhecida como document dump. O suposto cerceamento de defesa por conta da rejeição de pedidos dos réus para participar em interrogatórios dos acusados que fazem parte dos demais núcleos da trama golpista.
Segundo os representantes dos acusados, essas falhas comprometem o direito ao contraditório e à ampla defesa, configurando nulidades que justificariam a anulação do caso.
Fase de recursos
O processo contra Bolsonaro e os demais réus entrou na fase de recursos, quando as defesas podem pedir revisão da decisão do STF.
Neste momento, os advogados apresentaram os embargos de declaração, primeiro tipo de recurso possível.
🔍 Embargos de declaração: são usados para apontar contradições ou trechos obscuros em decisões judiciais. Embora normalmente não alterem o resultado, o STF pode admitir efeitos modificativos, permitindo mudanças como redução de pena ou até extinção da punição, caso os argumentos da defesa sejam aceitos.
Outro recurso possível são os embargos infringentes, mas o prazo para apresentá-los ainda não começou.
🔍 Embargos infringentes: são usados quando há divergência relevante entre os votos dos ministros. Antes restritos ao plenário, passaram a ser aceitos nas Turmas se houver ao menos dois votos pela absolvição.
No caso do núcleo crucial da trama golpista, essa condição não foi atendida.
Próximos passos
O ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, pode enviar os embargos para análise da Procuradoria-Geral da República. Depois, a Primeira Turma deve julgar o recurso, mas ainda não há data definida.
No caso dos embargos infringentes, Moraes pode fazer uma análise da admissibilidade em decisão individual. Caso eles sejam negados, pode haver novo recurso, para enviar o caso para julgamento colegiado.
As penas só serão aplicadas quando não houver mais possibilidade de recurso. Ainda não há previsão para isso.
Encerrado o processo, serão executadas as determinações da Primeira Turma:
tempos de prisão que variam de 16 a 27 anos;
pagamento de indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos;
cálculo e pagamento da multa, também aplicada como pena aos réus;
perda de mandato na Câmara dos Deputados de Alexandre Ramagem;
perda de cargos na Polícia Federal de Alexandre Ramagem e Anderson Torres;
suspensão de direitos políticos;
comunicação ao Superior Tribunal Militar para o procedimento de declaração de indignidade para o oficialato, com perdas de postos e patentes.